Em 2018, eu tive contato pela primeira vez com o livro escrito por Marshall Rosenberg, “Comunicação não-violenta – Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”.
Num primeiro momento, o tema não me interessou, pois achei que o termo “não-violenta” não me dizia respeito, já que eu não era uma pessoa violenta. Mas este livro seguiu aparecendo no meu caminho – e como acho que são os livros que me encontram e não eu que os procuro, decidi comprar o livro e ver o que Rosenberg tinha para contar.
A partir daí, minha vida mudou. É fato. Inclusive a minha vida profissional.
Mas por que este livro impactou tanto na minha história? Porque, pela primeira, vez eu compreendi que, de fato, eu não sabia me comunicar e que era muito violenta.
Importante explicar que, na época, eu tinha 55 anos, uma carreira sólida e bem-sucedida como assessora de comunicação. Minha formação original, em Relações Públicas, além das demais formações, me conduziam a ser uma especialista no tema.
Instigada pelo tema, iniciei uma jornada de estudos para conhecer e aprofundar este conhecimento, que me conduziu a um novo propósito profissional: compartilhar meu aprendizado para mostrar às pessoas como é possível ter outro olhar para nossos conflitos, conversas difíceis, para a educação dos filhos, para liderar times. E para nós mesmos.
- O que é comunicação não-violenta?
- Mudança de mindset
- Quando nossa comunicação é violenta?
- Método “Vamos Aprender a Conversar?”
O que é comunicação não-violenta?
A comunicação não-violenta (CNV) é uma forma de comunicação que se baseia em estarmos conscientes das nossas necessidades e das do outro, com a finalidade de falar sem machucar e ouvir sem se ofender.
Criada nos anos 1960 pelo doutor em psicologia Marshall Rosenberg, a CNV tem como objetivo estabelecer relacionamentos baseados na verdade e na empatia, e satisfazer as necessidades de todos.
Rosenberg nos convida a olhar para as situações da nossa vida a partir destes elementos: observação, sentimentos, necessidades e pedido.
Mudança de mindset
Em suas pesquisas, Marshall Rosenberg descobriu que todo ser humano é naturalmente compassivo e potencialmente violento. Para representar estes dois “seres” que nos habitam, ele usou a girafa e o chacal.
A girafa representa a comunicação não-violenta por várias razões; entre elas, por ser o animal que tem o maior coração de todos os animais terrestres. Este é um convite para falarmos sempre a partir do coração, conectados com a nossa humanidade e com a do outro. A girafa tem um pescoço alto, o que permite que ela veja o mundo de outro ângulo. Este é outro convite para quem quer ter uma fala não-violenta: afastar-se dos seus julgamentos e do sequestro emocional, e observar os fatos e necessidades dos envolvidos.
O que nos afasta da nossa natureza compassiva é a linguagem. Por isso, a importância de aprendermos a conversar.
O chacal nos convida para usarmos a linguagem que busca o culpado: sejamos nós ou o outro. Esta linguagem normalmente vem acompanhada de acusação, punição e outros mecanismos que usamos quando nossas necessidades não são atendidas.
A girafa aciona seu coração, ergue o pescoção e entra na dança do diálogo com a perspectiva da curiosidade sobre si e sobre o outro, usando como estratégia a escuta e a empatia.
Quando nossa comunicação é violenta?
Antes de modificarmos nosso modo de conversar, precisamos compreender quando estamos sendo violentos na nossa comunicação, pois sequer sabemos reconhecer. Foi exatamente isso que me deixou surpresa ao conhecer a comunicação não-violenta.
A violência na nossa comunicação não acontece somente quando gritamos, somos mal-educados e grosseiros, mas sempre que a nossa fala expressa julgamento, especialmente julgamento moralizador, rótulos, comparações com outras pessoas e ameaças. Aparece também quando apresenta uma punição, uma condição, coloca o outro numa situação de medo, culpa ou vergonha.
Normalmente, para falarmos deste modo, estamos numa posição de superioridade, que pode ser real ou somente uma percepção: sabemos mais, temos mais dinheiro, somos mais capazes, somos melhores. Ou numa posição de poder, em que consideramos que nós mandamos e os outros obedecem: chefe, pais, professor, líder. Nesta posição, não abrirmos espaço para uma conversa na qual o querer do outro esteja também preservado ou, pelo menos, ele tenha espaço para expressá-lo e seja respeitado.
A comunicação violenta também se expressa quando nos vitimizamos, fazendo o papel de coitadinhos, mal-amados, que fazemos tudo pelos outros e não recebemos nada em troca, culpando o outro pela nossa infelicidade. Por exemplo: “passei o dia organizando esta sala e agora vocês tiram tudo do lugar, vocês nunca me ajudam”. Ou “tudo sobra para mim, ninguém faz nada direito neste escritório, tenho que revisar todos os relatórios”. E que tal esse exemplo: “eu nunca tenho razão, nem adianta falar”. A vitimização é um formato de violência comigo e com o outro, mas aparece disfarçada nas queixas e nas reclamações.
O problema maior é que usar a estratégia da agressão ou vitimização não nos conduz ao atendimento de nossas necessidades, pois não as expressamos com clareza e não criamos conexão com o outro. Na verdade, o afastamos e o deixamos com menos vontade de contribuir com a nossa vida.
Importante esclarecer que o contrário de se comunicar de modo violento não é concordar nem ser submisso, tampouco falar baixinho ou de maneira dócil. É ter um diálogo autêntico que expresse nossos sentimentos e necessidades, e apresente pedidos claros e possíveis de serem atendidos, sem acusações nem vitimizações.
Comunicação não-violenta se trata de encontrar maneiras para dizer o que é importante para nós, oferecendo empatia e escuta ao outro, para que ambos possam se expressar e chegar a um caminho que atenda às necessidades de todos – com foco no problema, não em culpados, em vítimas, em quem está certo ou errado.
A comunicação não-violenta nos ensina a ancorar em nós mesmos, a nos auto-observar e a fazer escolhas de como expressar nossa opinião.
Método “Vamos Aprender a Conversar?”
A partir do aprendizado que adquiri estudando comunicação não-violenta, neurociência, empatia, inteligência emocional, social e relacional, eu sistematizei um método que, na verdade, funciona como um “roteiro” para conversas mais autênticas e respeitosas.
O caminho é composto por diversas reflexões que conduzem o indivíduo ao autoconhecimento a partir da percepção de seus sentimentos e necessidades diante das situações presentes no seu dia a dia, permitindo que passe de vítima a protagonista de suas escolhas.
O método “Vamos Aprender a Conversar?” é também um convite para analisarmos nossas crenças, valores e visão de mundo, oportunizando olhares mais empáticos e compassivos sobre as pessoas, especialmente as que pensam diferente de nós.
Quando ignoramos este caminho, tendemos a conversar a partir das nossas interpretações, julgamentos e a sermos reativos, pois permitimos que as nossas emoções falem por nós.
Aprender a conversar é um exercício diário de desapego de conceitos, preconceitos e certezas absolutas, para a construção de um novo olhar sobre si e sobre o outro, onde ambos tenham espaço de fala e escuta, e possam se expressar autenticamente buscando, juntos, o melhor caminho para atender às necessidades.
É simples, mas não é fácil; precisa de vontade, determinação, vulnerabilidade e muita prática!
1º passo: Autoconexão
A autoconexão é um convite a nos ancorarmos em nós mesmos e integramos o sentir e o pensar. Nosso clima interno está situado em um lugar dentro de nós no qual não costumamos prestar atenção: nosso corpo.
Aprender a reconhecer as mensagens do nosso corpo e a nomear nossos sentimentos e emoções nos conduz a um estado de presença e consciência, que nos permite fazer escolhas sobre nossos comportamentos, respostas e atitudes, diante das situações da vida.
O comportamento de outra pessoa não tem o poder de criar um sentimento dentro de nós. O sentimento vem da nossa avaliação. Portanto, o que acontece no mundo externo é um estímulo para despertar em nós emoções e sentimentos. Mas a causa do que sentimos vem das nossas necessidades.
Quando entendemos este processo, passamos a nos responsabilizar pelo o que sentimentos e buscar compreender quais são nossas necessidades não atendidas naquela situação.
2º passo: Conexão
A conexão entre as pessoas, fundamental para um diálogo autêntico, se dá a partir da empatia e da escuta ativa. Não entendo empatia como a capacidade de se colocar no lugar do outro, pois se levo comigo meus julgamentos e visão de mundo, o lugar do outro poderá ser bem desconfortável – e eu vou querer transformá-lo no meu lugar. Portanto, não serei empática.
Gosto mais da ideia de tentar ver o mundo através das lentes do outro ou, ainda, de aprender a acolher e respeitar o que o outro está vivendo. Isso não significa concordar com tudo o que o outro faz ou diz. Na verdade, se trata de um exercício contínuo de humildade para reconhecermos que não sabemos como é viver na pele do outro. Um grande apoio para praticarmos empatia é a escuta ativa.
Escuta ativa é ouvir sentimentos e fatos e, depois, verificar para garantir se a sua interpretação foi correta. Escutar o outro é estar vazio de si mesmo e atento às nuances da fala: que tipo de emoções estão presentes? O que existe por trás das palavras?
Nossa escuta fica muito prejudicada quando usamos estratégias tais como aconselhar, interromper para fazer perguntas sem que a pessoa tenha terminado sua fala, consolar, minimizar o que o outro está nos contando, contar uma história parecida e competir pela dor ou alegria.
3º passo: Análise
A análise da situação nos permite ver os acontecimentos de outro ângulo, com outras lentes, conectados aos fatos, desconectados de emoções, julgamentos de si e do outro.
Nosso cérebro nos conduz rapidamente a um julgamento automático das situações. O que precisamos aprender é que nosso julgamento normalmente difere do outro envolvido, porque os eventos externos a nós não têm significado por si só; cada um atribui significado às coisas a partir da sua interpretação, que tem como filtro a educação, visão de mundo, experiências de vida, religião, humor e tantos outros fatores.
Chegar ao fato, em nossas conversas, é um grande desafio e requer que estejamos abertos à vulnerabilidade e a reconhecermos que a nossa visão pode ser diferente da do outro, e mesmo assim os envolvidos têm razão.
O fato é a narrativa do acontecimento, sem adjetivos, sem julgamentos. A interpretação é a nossa compreensão sobre o fato, que tende a ser distorcida pelos nossos filtros.
4º passo: Diálogo autêntico
O diálogo autêntico expressa nossos sentimentos e necessidades diante das situações, e apresenta estratégias que nos atendem de modo que o outro possa compreender e contribuir com a nossa vida.
A autenticidade presume que digamos a verdade, mas de modo respeitoso e assertivo. Diferente da sinceridade, que traz a nossa verdade recheada de culpabilizações e acusações.
Espero que este artigo tenha despertado em você o interesse pela comunicação não-violenta, que nos instrumentaliza para termos relações mais verdadeiras e compassivas. Se isso aconteceu, já cumpri com meu propósito ao escrevê-lo!
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Vivian Laube
Especialista em Marketing, Comunicação e Comportamento Organizacional e Liderança, Vivian Laube é parceira da ETALENT. Desde 2018, é pesquisadora da comunicação não-violenta, explorando sua aplicação nos ambientes pessoal e profissional. Para saber mais, acesse https://www.vamosaprenderaconversar.com.br.