*Artigo escrito por Henrique Pistilli

Como fluir em sincronia com o mar da vida? Como alinhar seu ritmo com os ciclos da natureza? Como construir uma cultura de trabalho saudável?

 

A normose da disritmia

Nesse mundo maremoto que nunca para, a pausa reflexiva se torna um ato revolucionário. Chegamos ao ponto em que as doenças da “não pausa” se tornaram algo normal, mas, na verdade, são normoses. Não é normal e nunca será saudável para a natureza humana viver em disritmia. Hoje, o ritmo é frenético, onde o normal é estarmos sempre “ligados” e disponíveis, onde a pressão para produzir nunca para, nos levando, muitas vezes, ao esgotamento.

Viver nessa tempestade de estímulos torna a saúde mental uma prioridade para todos nós. Quando aceleramos e nos desconectamos do ritmo da natureza, a falta de “pausas” pode levar a um estado de desequilíbrio, gerando confusão, dúvida, medo, decisões apressadas, estresse, agonia, insegurança, ansiedade, compulsão, pânico, apatia, tristeza, estagnação, depressão e até mesmo burnout, o esgotamento total.

Vivemos cada vez mais plugados em tempo mental-virtual, disponíveis 24h. Deixamos de observar os aspectos reais e sentir a magia da vida à nossa volta. Essa normose estimula uma “diarreia de pensamentos” e um “liquidificador de emoções”, intensos e oscilantes, já que o mundo externo nos tira frequentemente do eixo.

Temos dificuldade em viver no presente e passamos boa parte do tempo apegados a telas, traumas, experiências e crenças limitantes do passado. Nesse contexto, a nossa própria visão de mundo se torna uma jaula. Ou, então, ficamos fantasiando o futuro com expectativas ilusórias ou assombrações, nos quais, muitas vezes, nós mesmos estamos nos oprimindo com riscos que não existem – ou que são bem menores do que parecem – ou somos nós mesmos nos colocamos em risco. O resultado é sofrimento, mesmo que para as normas sociais tenhamos “sucesso”.

 

Estado de espírito

Assim na água como na vida, o flow acontece quando surfamos no “timing” das boas ondas. Atentos ao tempo presente, direcionamos intenção, respiração e movimentos na intensidade que as oportunidades do ambiente pedem. É nesse lugar que a magia acontece e o sorriso é inevitável.

Segundo o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, fluxo (do inglês: “flow”) é um estado mental de operação em que a pessoa está totalmente imersa no que está fazendo, caracterizado por um sentimento de total envolvimento e sucesso no processo da atividade. Mihaly é um ícone da psicologia positiva moderna, reconhecido pelo seu trabalho no estudo da felicidade e criatividade.

Nessas atividades em “estado de flow”, você sente que o tempo para, seu olho brilha, você dá o seu melhor de si e o outro reconhece. Nesse momento, experimenta-se a plenitude de quem se é, um flash em que seus talentos, paixões e valores encontram as necessidades do mundo. Porém, o desafio ainda maior é saber como criar as condições para conseguir entrar e sair desse estado de espírito livre, autêntico e criativo.

Quando observamos pelas lentes da antroposofia de Rudolf Steiner, podemos desenvolver o flow em níveis mais sutis de consciência. A faculdade do pensar se liberta do medo e da dúvida, tornando-se imaginação criativa. A faculdade do sentir se liberta da ansiedade e da insegurança, tornando-se inspiração sensitiva. A faculdade do querer se liberta dos traumas e fantasias, tornando-se intuição assertiva.

 

A vida vem em ondas… E pausas

Quando você observa, sente e permite entregar-se ao “flow” com certa frequência, você entra no fluxo da sua própria biografia e propósito, a jornada em busca da autenticidade. Todo seu corpo, alma e espírito passam a vibrar felicidade, querendo mais e mais daquelas sensações inspiradoras, com toda sua força, afirmando seu lugar único no mundo.

Nesse momento, você passa a estar em “estado de fluxo sobre fluxo” (em inglês, “flow over flow”), pulsante entre pausas, contínuo e constante. Seu futuro se torna um imã inspirador, seus pulmões se enchem de emoção com uma imagem viva pela qual você é atraído. As sincronicidades aumentam e a vida vem em ondas de encontros, eventos e oportunidades relacionados aos seus dons, como um swell de experiências em sua direção, funcionando como uma respiração ampla, lenta e ritmada, permeada por pausas para regeneração, reflexão e aprimoramento.

Porém, temos precisado de cada vez mais tempo para as pausas regenerativas. Por causa de sobrecarga e exaustão, ficamos muito cansados até “pifar”. Deixamos, então, pouco espaço e energia para pausas reflexivas mais poderosas, que trazem valiosos insights e mudam a direção de nossas vidas. É preciso observar, se posicionar e escolher com assertividade dentre as ondas que chegam. Mas principalmente, nas pausas entre as séries de oportunidades e desafios, é vital saber descansar, recuperar o fôlego e reposicionar – questão de sobrevivência.

Em muitos momentos, experimentamos também o antifluxo, quando a vida aperta no vazio. Momentos de crises, confusão, frustração, incapacidade, reavaliação, términos e recomeços, mortes e renascimentos. Incômodos que nos confrontam e precisam ser vividos para amadurecermos – mas com cuidado, para não transformar as dores em sofrimento demasiado. Sim, a dor é necessária ao crescimento, mas o sofrimento é uma escolha.

Na natureza, somente o ser humano é capaz de sofrer mais do que o necessário. É preciso coragem para romper e deixar a dura casca envelhecida para trás. Coragem para apender com a dor e nos tornarmos maiores. O caldo vai acontecer e normalmente é mais leve do que você imagina. Mas, se você desesperar, vai ficar mais tempo debaixo d´água. Se você fluir junto, ele se torna um prazeroso treino de fortalecimento, sem machucar. A pausa no vazio é o lugar de total potencialidade, onde a vida se recolhe e murcha até que o sentido do movimento vira – e a vida se impulsiona novamente para renascer e expandir em uma nova direção.

Aprender a lidar com as diversas pausas é vital para a regeneração, reflexão e reposicionamento, preparando você para a próxima onda de flow. Ignorar ou lutar contra essas pausas nos faz atropelar ou perder o “timing”, levando ao desequilíbrio emocional. A paz chega quando reconhecemos que tudo é fluxo e vem em ciclos; a energia passa por nós e nós ficamos. Quando percebemos isso, aceitamos a imperfeição como mola permanente da mudança e, assim, torna-se possível escolher ser feliz antes que qualquer coisa precise dar certo.

 

Respiração: o movimento vivo do cosmos

A respiração é mais do que um ato fisiológico para sobrevivência. Ela é um movimento arquetípico que rege toda forma de vida, do nascimento à morte, sejam animais, planetas, plantas, estrelas ou humanos, junto com seus grupos e organizações, que também são vivos. A jornada da vida é feita de ciclos pulsantes para todos, altos e baixos, expansão e contração, inspiração e expiração, transpiração, conquistas e crises, cheios e vazios. Tudo que é vivo respira e se move através da respiração para nascer, crescer, amadurecer, frutificar, fenecer e vir a ser na próxima geração. Ciclos dentro de ciclos, todos guiados pelo mesmo movimento circular e arquetípico da respiração.

Uma empresa também respira ao se mover, nascer, crescer, desenvolver e morrer – ou renascer em uma nova fase. Qualquer projeto, pequeno ou grande, segue o mesmo arquétipo. As fases da lua seguem o mesmo movimento, ou seria sua influência que nos deu o ciclo mensal como base para realizar projetos e viver?

A forma como vida funciona dentro de nós e em nossas relações, um microcosmos, é regida pelas leis e ciclos da natureza, ou macrocosmos. Goethe, o cientista fenomenológico, nos ensina que a natureza é um livro aberto, mas, para lê-lo, precisamos nos tornar um com o fenômeno observado. A respiração é um dos grandes fenômenos para auto-observação e pesquisa. Ela é a expressão clara do macrocosmos no corpo humano, refletindo os ritmos e reinos da natureza, as quatro estações solares, as fases da lua e a frequência vibratória do universo em si. Todos se movem em ondas de movimentos circulares e sincrônicos de expansão, pausa, contração, pausa. O movimento básico do universo é a respiração. A vida, a saúde, o equilíbrio só existem em movimento, em constante metamorfose, dançando entre polaridades. O que está parado, endurecido, está doente ou morto, é “má-água”, mágoa.

Essas e outras leis invisíveis regem os ciclos da geologia, biologia e influenciam no estado emocional de todos os seres vivos do planeta. Observe o ar, o clima da sua cidade em noite de lua cheia e na lua nova, perceba o que muda no seu temperamento e no das pessoas, quando ficam mais eufóricas ou mais recolhidas. O mesmo pode ser feito comparando as temporadas de verão e inverno em determinado local.

Comece pelo óbvio, pode ser que você aprenda algo novo sobre um lugar muito frequentado por você. Perceba que, quando você está estressado ou com raiva, precisa inspirar grande e soltar o ar de uma certa forma mais lenta, relaxante, tranquilizante, sentindo a gravidade atuar no corpo, deixar baixar a poeira. Quando está inspirado, sua respiração naturalmente se torna ampla e leve, você infla e esvazia lentamente quase sem perceber, de forma energizante a cada troca completa de ar. Experimente mudar a forma que respira quando estiver se sentindo desconfortável, observe-se; seu corpo é uma escola.

Outro exemplo instigante: você sabia que os ciclos menstruais de mulheres que trabalham juntas se alinham depois de um certo tempo? Essa sincronia acontece não só no nível do relógio biológico, onde os ponteiros passam a respirar juntos, mas também as emoções atreladas aos ciclos acontecem em conjunto, como um cardume. O fato de um grupo refletir mais sobre si e a vida como um fenômeno rompe crenças envelhecidas, amadurece as relações e abre caminho para a verdadeira alta performance. Imagine o quanto podemos aprender ao observar com novas lentes a nossa própria realidade, biografia, papéis, escolhas, relações e cultura de onde trabalhamos.

 

Flow over flow na natureza

Tenho me dedicado a estudos da “Sabedoria da Natureza”, a partir das ciências Antroposofia e Fenomenologia, que possuem poderoso conhecimento e método de observação para compreender as forças naturais que regem o fenômeno da vida. Foi assim que me debrucei sobre o estudo do “flow” na natureza, sem saber que ia encontrar os ciclos de “flow over flow”.

A natureza é um segredo aberto. Os sentidos não enganam, o que engana é o julgamento. Não só observar, mas tornar-se um com o fenômeno observado. Não só contemplar o céu, a natureza e o ser humano, mas maravilhar-se pelo mistério da existência”.
– Goethe, cientista fenomenológico

Na natureza, abundância não é quando sobra, é quando nunca falta. É pura confiança na certeza do fluxo sobre fluxo – pulsante, constante e renovável. É a busca pelo equilíbrio entre movimento e pausas, como o ciclo respiratório das plantas; como a água de uma nascente que pulsa e nunca cessa; como o sol que emana ondas de luz e calor, fonte de toda e qualquer energia que temos disponível na terra. E, ainda, quando se ausenta, possibilita a regeneração e nutrição no sono dos seres, em parceria com as brandas fases da lua, que regem todo ciclo de fertilidade, vitalidade, sonhos e emoções. A lua rege os movimentos de todas as moléculas de água dos rios, nuvens, chuvas, atmosfera, plantas, florestas, todo oceano e dentro de todo ser vivo, pequeno ou grande, onde quer que esteja. Cada movimento, do menor ao maior, do microcosmos ao macrocosmos, acontece vibrando junto com as ondas de frequências que carregam o fluxo de energia pulsante do universo.

Esse ciclo contínuo é “flow over flow de vida” e está presente em todo ser vivo. Tanto o pulso da nossa respiração diária quanto o movimento do sistema solar, ou organismo solar, também é vivo. Vou repetir: o universo, o sol, o mar, a planta, o animal, o homem, cada um inspira/expande, pausa, expira/contrai, pausa e assim por diante. Todo esse movimento sincrônico garante o equilíbrio entre crescimento e desenvolvimento, entre dar e receber, sustentando toda a diversidade na teia da vida. Nascer, crescer, desenvolver/maturar e fenecer. Renascer. Fluxo sobre fluxo em ondas, vibrando, pulsando, pausando, renovando, contínuo e constante.

Flow over flow é o princípio da energia pulsante que nutre e sustenta os ciclos da vida.

O oceano é um excelente exemplo de “flow over flow” na natureza. Suas ondas, marés e correntes são um reflexo do pulso vital do universo, regidos pela lua. Práticas na água, como surf, bodysurf, natação e terapia, podem ser extremamente transformadoras. Elas nos fazem respirar melhor, proporcionam saúde físico-químico-vital-emocional- espiritual, além de ajudar a encontrar nosso próprio ritmo interno de uma forma prática e sensível, não mental.

“Vamos conhecer e interagir com minha amiga Onda?” Ela carrega o movimento do ciclo da vida em si, do seu nascimento à morte. Seus pais, o Sol que esquenta a atmosfera e cria ventos, e as Tempestades, que semeiam a água e transferem sua energia solar, nascendo o swell, as Ondulações. Elas navegam pelo oceano, por vezes milhares de quilômetros, dando direção e ritmo, concentrando e pulsando do fundo à superfície. A Ondulação cresce em força, amplitude e velocidade. O broto vence as adversidades e se torna uma árvore frondosa. Chega a hora da maturidade, de dar os frutos. Quando a Ondulação encontra o fundo mais raso, sua energia é lançada para cima da linha d’água e para frente, gerando as Ondas que nós, surfistas, tanto buscamos. É nesse momento fugaz, em apenas dezenas de segundos, que sentimos o contato com o néctar, o êxtase, a energia solar destilada, em movimento vivo cristalino, nutrição, amor. Uma verdadeira meditação dinâmica, uma troca profunda com a Onda. Como golfinhos, impulsionar-se e deslizar em comunhão, fluir e sair dos tubos com spray vaporizado nas costas. Depois do clímax, da grande inspiração, a Onda se desfaz em espuma liquidificante, fenecendo, expirando e chiando até a beira, pausando; e volta para o Oceano. Mesmo ficando só na beira, podemos contemplar e respirar junto com a Onda para receber seu sopro de vida, pois, ao morrer, ela espalha brisa salgada vitalizada pela praia, acariciando nosso corpo e renovando a energia. Não fique triste quando ela morre, pois o “Arquétipo vivo Onda” sempre estará lá, nascendo, vivendo e morrendo para te reenergizar.

Ignorar a sabedoria da natureza e o bem-estar que ela nos proporciona é desconectar-se da poesia da vida, da própria essência humana. Ser feliz antes que algo precise dar certo é uma decisão que pode ser tomada agora. E pronto, você entende que você não é seus pensamentos nem suas emoções nem suas realizações. Você é aquele que observa e percorre os ciclos dentro de ciclos, maravilhando-se, pensando e sentindo ao longo da travessia, se segurando entre altos e baixos, até conseguir surfar com mais presença, equilíbrio emocional e maturidade. Sua intenção, sentimento e vontade podem e devem estar a serviço do seu propósito, com a força das Ondas e do Oceano a seu favor.

 

A cultura respira

Imagine-se sendo um alto executivo em uma metrópole, preso em reuniões intermináveis, articulações e negociações tensas, gestão sob risco e pressão constantes, prazos apertados e uma caixa de entrada de e-mails que nunca esvazia. A sensação é de estar sempre “inspirando”, acumulando mais e mais responsabilidades, sem tempo para “expirar”, pausar, soltar e renovar. A sensação de sufocamento acontece porque tentamos ficar inspirando com os pulmões cheios. A respiração fica acelerada, curta e clavicular. É o excesso de ar que sufoca, não a falta. Esquecemos de expirar as tensões e assuntos velhos antes, para abrir espaço e, depois, renovar o oxigênio, a energia e a criatividade, com uma nova inspiração. O resultado é a famosa sensação de “estar apagando incêndios”, correndo agitado enquanto o tempo passa em um piscar de olhos, no qual ruídos e julgamentos precipitados dificultam a comunicação, conflitos internos e externos tendem a crescer e impactar no clima, na saúde e nos resultados, sem conseguirmos priorizar tempo para lidar com os desafios subjetivos intangíveis e com o alinhamento.

Quando respiramos com todo o tórax, do ventre às clavículas, dando atenção às pausas, trocamos quase todo ar e encontramos energia, presença, relaxamento e bem-estar. Desse lugar, é mais provável emergir uma autoliderança empática e humanizada, disponível para todos, atenta aos ritmos e pausas de aprendizagem do grupo. É na pausa reflexiva que o grupo aprende sobre si mesmo e evolui. Imagine uma reunião na qual foram criadas as condições para que todos estejam confortáveis, respirando em estado de “flow”, totalmente engajados e contribuindo com sua criatividade genuína. Ou pense em um projeto onde cada membro da equipe está tão alinhado com o objetivo, a tomada de decisões e a participação nos resultados, que o trabalho não só é feito de forma eficiente, mas também é profundamente gratificante pelo seu reconhecimento e propósito.

Quando ampliamos as duas cenas acima para grupos inteiros que passam a se comportar ora de uma forma, ora de outra, convivendo em uma só cultura, podemos imaginar uma empresa com milhares de pessoas, líderes e grupos que pulsam, interagem, respiram, sentem, decidem e se movimentam em ritmos e ciclos diários, semanais, mensais, anuais.

Podemos sempre buscar ver o organismo como um todo e a relação entre as partes. Por exemplo: colocando a lente das metas e processos, visualizamos diferentes operações e procedimentos que ditam o ritmo do trabalho, percebendo onde há sincronia e assincronia, onde funciona e não funciona. Adicionando agora a lente das emoções e comportamentos, podemos ver o impacto da operação, dos ritmos e da atitude da liderança na cultura, onde o clima está bom e onde o ar está pesado.

A partir dessas e outras lentes, é possível estimular a saúde da cultura organizacional de forma viva e dinâmica, tendo o movimento da respiração como método para expandir a consciência, inspirar, alinhar percepções e atitudes, ouvir para, depois, recolher, avaliar e renovar acordos, ajustar a navegação. Quanto mais as pessoas que estiverem na ponta, de frente para o cliente, puderem ver, sentir e contribuir com aqueles que estão intuindo e teorizando o negócio, mais viva e autêntica será a cultura, refletida no comportamento de todos. Porém, para chegar nesse nível de fluidez e maturidade, a alta liderança precisa, antes, estar alinhada com a biografia organizacional. E principalmente, os valores da cultura precisam ser praticados de forma coesa por essas pessoas.

A partir desse ponto, é possível realizar ciclos mensais, trimestrais, semestrais e anuais de respiração, nos quais é construída a confiança para a alta liderança inspirar e encontrar os diferentes times, em formatos criativos, para ouvir, compartilhar e a aprender sobre as percepções e desafios em praticar os valores dessa cultura. A qualidade do diálogo é o segredo do sucesso entre os diversos níveis e áreas, em grupos grandes e pequenos, no timing saudável, em ambiente seguro, construindo e nutrindo a confiança.

Existem diversas formas e métodos para alinhamento de identidade, mudança de cultura e formação de lideranças, que funcionam muito bem quando se tem como pedra fundamental uma identidade inspiradora e verdadeira, sustentada por pessoas com intenções genuínas pelo bem da organização e seu papel na sociedade.

Assim funciona a respiração de uma cultura saudável e inspiradora. Observando de forma mais sistêmica, podemos ver a vida organizacional incluindo momentos periódicos em seus ritmos e ciclos anuais, para reflexão sem pressa, aprendizagem e feedback, individual e em grupo, alinhando e valorizando boas práticas da cultura em todos os níveis. Ao mesmo tempo, ouvir e encaminhar experiências “não tão boas”, valorizando o erro como adubo para nutrir e renovar valores, princípios, políticas e processos com mais agilidade. Evoluir como um organismo único que vive, respira, reflete e se transforma.

É importante lembrar que, para a respiração da cultura funcionar, além da liderança praticar o que acredita, quanto mais as pessoas se sentirem motivadas a participar das decisões, fazendo a diferença, e quanto mais forem reconhecidas e participarem dos resultados, maior será o engajamento e a coesão em uma cultura coerente, que dá orgulho a todo o cardume organizacional.

 

Liderança flow over flow

Você já se perguntou como os golfinhos, essas criaturas incríveis do mar, lideram? Como eles se comportam, tomam decisões, se relacionam? Acredite ou não, há muito o que podemos aprender com eles, especialmente quando olhamos através da lente da fenomenologia.

Os golfinhos são conhecidos por sua inteligência, sociabilidade e comportamentos complexos. Eles formam laços sociais duradouros, cooperam entre grupos para ajudar uns aos outros, sempre nutrindo a liberdade de escolha individual, contanto que o grupo esteja seguro. Reconhecer com clareza e a todo momento se as necessidades do grupo estão supridas é algo natural. Eles sentem e simplesmente sabem. Cada um pode se tornar líder no momento em que convida outros para unir forças e “respirar junto” rumo a um objetivo em comum, seja brincar, passear, caçar, namorar, dormir ou descansar. Este comportamento natural para os cetáceos, até então visto apenas em humanos, nunca havia sido confirmado anteriormente entre animais.

A morfologia dos golfinhos, sua forma e estrutura, é perfeitamente adaptada ao seu ambiente. Eles são ágeis, flexíveis e resilientes. Nadam a partir do princípio de pequenas explosões, seguidas de longo deslize regenerativo, sempre atingindo o melhor resultado com menor esforço, usando a dança entre as forças da gravidade (lei da terra) e da levidade (lei da água) para ganhar velocidade, sem cansar.

Mais do que se adaptar às mudanças, eles se tornam seu próprio movimento ao respirar de forma integrada com o mar, navegando facilmente pelas correntes, surfando as ondas e descendo às profundezas. A respiração dos golfinhos é um ato de liberdade. Eles precisam pensar para decidir respirar e nos mostram que cada escolha só existe no tempo presente, hoje.

Agora, imagine se pudéssemos trazer essa sabedoria para nossas para nossas empresas. Imagine se pudéssemos liderar com a mesma percepção, sensibilidade e liberdade. Imagine desenvolver as habilidades para manter a visão ampliada e focada ao mesmo tempo, respeitando os ritmos da natureza humana em meio ao maremoto moderno, movendo-se com assertividade e liderando com autenticidade.

Nessa perspectiva, a maior tarefa de quem está líder é expandir a capacidade de observar os movimentos do ambiente, prevendo possíveis oportunidades e desafios, observar as necessidades e capacidades individuais, assim como os ciclos do grupo e de todos os stakeholders. Estar atendo para mediar alinhamento periódico, onde resultados, metas, papéis, expectativas e sonhos individuais possam sempre convergir ao máximo possível. No dia a dia, quando cada um começa a exercer sua autoliderança, sentindo e respirando junto, a cooperação do grupo expande, podendo chegar à sua melhor performance, seu estado da arte.

 

Time is life: viva sem pressa

Lembre-se de cinco gênios ou mestres que você admira. Pessoas que viveram no “estado da arte” de suas práticas, pessoas que se tornaram sua própria prática. Certamente, você captará sua síntese existencial, sua energia original, autêntica, brilhante, que muitas vezes é difícil descrever em palavras, mas que traz uma primeira imagem do fenômeno deste ser. Às vezes, quando escuto falar da biografia de alguns mestres, fico me perguntando sobre como viviam e como alguns conseguiram deixar um legado vibrante por séculos, vivendo até os 60, 40 anos de idade – ou até menos. Como cada um deles lidava com o tempo e o que é, de fato, essencial? A única certeza até agora é que seremos eternos aprendizes.

É neste ponto que encontramos a chave mestra da mudança: o tempo, o recurso mais precioso da humanidade. A sensação é de que não há tempo para nada, mas, de fato, quanto tempo desperdiçamos em atividades que não nos aproximam de quem somos e do nosso potencial? Que tornam o futuro apenas a repetição do passado?

Não adianta ter nada material se você não sabe comprar tempo, pois tempo é vida. Quando você compra tempo, adquire o valor da experiência vivida naquele momento. Esse valor ninguém pode tirar de você, ainda mais quando escolhemos atividades que nos aproximam de quem somos. Esse é o tempo mais valioso, que solidifica quem somos e nosso valor único para o mundo.

No meu caso, como sempre fui facilitador de aprendizagem e nunca fui empregado, desenvolvi um valor de vida, um critério de escolha, uma fórmula que me ajudou a comprar vida: quanto menor meu custo fixo mensal, maior minha liberdade. E, para diminuir os custos sem perder a liberdade, foi necessário pausar muitas vezes para redefinir o que era, de fato, essencial. Em um caminho cheio de incertezas, aprendi também a importância de pausar quase que diariamente, para observar, respirar, refletir, focar e centrar.

No ano de 2004, lá estava eu com essa fórmula, ansioso e inseguro, onde três dias de trabalho por mês no cliente pagavam meus custos fixos, onde sempre incluí o que era essencial para mim, na perspectiva de economias para um ano à frente. No início, devido ao ócio, eu lidava com medos e crenças geracionais, sobre “não ser bom o suficiente e não ser visto”, sobre “ter que produzir ao máximo para acumular”, sobre “ser um fracassado, improdutivo”. Por incrível que pareça, essas assombrações eram maiores do que a incerteza de não ter uma renda fixa mensal. Ao mesmo tempo, essa experiência foi uma das mais libertadoras. Eu descobri que estava milionário de vida quando encontrei o poder da minha capacidade produtiva, ou seja, três dias de trabalho remunerado no mês eram o suficiente para manter meu fluxo abundante em relação às minhas necessidades essenciais: estudar, surfar, viajar e ter acesso remoto para trabalhar. Foi assim que consegui investir em meu caminho de atleta internacional de bodysurf, chegando a 12 temporadas no Havaí e 7 na Indonésia, dentre outros locais. Os recursos passaram a fluir mais e sempre apareceram na medida entre o sonho real e a necessidade de cada swell da vida.

Mas o tempo passa. E passa rápido. Hoje, a sensação de aceleração é mais alarmante. 20 anos se passam em um piscar de olhos. O que você quer viver nos próximos 20 anos? Como você quer viver até lá? O que é essencial para sua saúde integral? Pense rápido, respire, sinta. O fato é que, hoje em dia, se você não aprende a desacelerar e abrir espaço na agenda para ter tempo, então é melhor nem tentar começar sua transformação, pois você não sairá do mesmo lugar.

Lembre-se: a natureza é perfeita porque o processo sempre avança. Mas é lento, contínuo, ritmado e inclui a imperfeição, a incerteza, o erro. O erro na medida certa é proporcional ao salto de autoconhecimento.

 

Respire no ritmo da sua natureza

Da mesma forma que a natureza respira para girar o tempo e manter o “flow over flow” da vida, praticar técnicas de respiração profunda com meditação guiada podem ser muito eficazes para te ensinar a perceber e mudar seus estados interiores. Use suas habilidades de imaginação, inspiração e intuição para aprofundar a autopesquisa.

Observar e respirar junto com os ritmos da natureza pode ajudar. A onda que cresce/expande/inspira, pausa e matura/quebra/expira espumando até seus pés. O sol que expande ao meio-dia, chegando a queimar, depois pausa quando se põe no horizonte e contrai no frio da noite. O soprar sutil do vento, que, em ciclos, também vem em ondas, séries e swells. Perceba esses movimentos dentro de você. Explore sua respiração e como o vento que você gera para dentro impacta suas águas internas, tranquilizando ou agitando seu oceano interior. Experimente o vazio e deixe emergir imagens, sensações, insights. Faça o mesmo ao relaxar todo o corpo com os pulmões ainda bem cheios; sem soltar, sinta. Depois, solte em um relaxamento profundo, entregando-se inteiro para a gravidade. Inspire grande e leve, deixe o ar conduzir o movimento, intencionando as qualidades que você precisa, equilíbrio, clareza, foco, paz. E, principalmente, curta o processo! Certamente seu dia (ou sua noite) será diferente.

A busca pelo equilíbrio só existe no movimento consciente entre polaridades. Se o fluxo está parado, está doente. A natureza do fluxo é fluir, oscilando entre abundância e pausas. Amplie seu olhar para os ciclos maiores da sua vida, respeite e aproveite sua fase atual. Permita, por vezes, extravasar-se e transbordar-se, isso é overflow, alta intensidade e alta frequência de si, em conexão com o fluxo da vida.

Medo e inconsequência fazem parte da mesma natureza, em polaridades e intensidades opostas. O equilíbrio está no meio, na coragem, no agir do coração, onde medo e inconsequência, na intensidade certa, viram precaução. Mas, às vezes, é prudente ser um pouco inconsequente ou simplesmente nada fazer. Viva a imperfeição, pois é dela que damos o próximo passo. Lembre-se que você é o artista da sua própria vida, sempre bela, imperfeita e inacabada.

A pausa

Não há vida sem pausa.

A noite é a pausa do dia.

As férias são pausa do ano.

A vida pulsa. Respira o tempo.

Ora inspira e expande, ora expira e contrai.

Ora transborda, ora murcha.

A pausa revigora em força, sentido, ritmo.

O tempo respira.

A crise é a pausa da clareza.

A dor é a pausa do amor.

A doença é a pausa da saúde.

O silêncio é a pausa da música.

A morte é a pausa da vida.

Se o espírito é eterno e a morte é a pausa da vida, por que tanta pressa?


Henrique Pistilli

Henrique Pistilli é parceiro da ETALENT. Conhecido como "Homem Peixe", Pistilli é atleta internacional de bodysurf e sócio-fundador da IMUA Escola do Mar, em Fernando de Noronha. Há duas décadas, atua como mentor e consultor Empresarial, com foco no desenvolvimento de pessoas, lideranças e cultura organizacional.

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