(ou pra não dizer que não falei de relações eróticas, sabores e saberes)


Para Jorge Matos

Desapego, conexão e aprendizado são as três palavras que me ocorrem com mais força no mundo de isolamento da COVID-19. A experiência com esses conceitos sinto na carne e na alma. Deixe-me explicar.

 

Desapego

Durante vinte anos, ministrei cursos presenciais pela ETALENT, uma empresa de tecnologia especializada na gestão e desenvolvimento comportamental. Por ter participado da elaboração de alguns produtos, acreditava-me guardião de muitos conceitos, que aprendi com meu mentor, Jorge Matos, fundador e presidente da empresa. Do contraste de nossos perfis, geramos práticas em que se configurava a eficácia da dialética comportamental – tese, antítese e síntese que nos gratificaram com o reconhecimento de inúmeras pessoas que expressaram mudanças positivas em suas vidas e empresas. E, com a carreira de professor em paralelo, fazíamos a diferença na vida de profissionais em começo de carreira, que tiveram a chance – que nós mesmos não tivemos – de mergulhar desde cedo no autoconhecimento, com tecnologia e ferramentas objetivas.

Sim, a cada dia um desafio. Uma nova ideia, novo produto, nova descoberta, nova produção.

O rio seguia seu curso até que, de repente, não mais que de repente, abate-se sobre o mundo uma pandemia que nos recomenda um isolamento social sem precedentes e nos ameaça com uma hecatombe econômica de proporções apocalípticas. A transformação digital, que já batia à porta, entrou sem pedir licença. Impôs-se. Não que eu não admirasse as belas formas dessa erótica dama de vermelho. Vez ou outra até a convidava para um jantar, quando objetivava conhecê-la melhor. Afinal, a gente não namora e casa com alguém que não conhece (bem, claro, isso não é totalmente verdade hoje, mas… não fazia parte do meu estilo).

Agora, em home office forçado, inserido em grupo de risco, estou tendo que ajudar a conduzir projetos de transformação digital de produtos de treinamento e desenvolvimento a toque de caixa, e ainda estou descobrindo como fazer isso. Não tenho escolha, já que a exuberante dama de vermelho se instalou em minha casa e disse que não sai mais.

Outro dia, numa conversa calma, essa mulher de impressionante beleza persuadiu-me a aprendê-la. Agora, tenho que me desapegar de diversos conceitos e formas de transmitir ideias. Felizmente, há pessoas me ajudando. Vão me dizendo como devo me vestir para levar a dama para jantar, o que ela gosta e detesta, quais as palavras mais apropriadas e o veículo que pode fazer brilhar seus olhos, os pratos que ela prefere… Novos sabores à vista, ao aroma e ao paladar.

Nessa nova relação, minha tendência natural de ciúmes de minhas práticas anteriores precisa ser devidamente controlada. Nada será como antes. Por que deter o rio? Por que querer segurar a água? Como diz minha neta, cantando a música do filme Frozen, da Disney: Let it go!

 

Conexão

Os conceitos de perfil comportamental que ensino há anos se voltaram para mim e disseram: você sabe realmente do que está falando? Fiquei perplexo.

Um indivíduo com perfil de alta Conformidade e alta Estabilidade (mais informações em outros lugares, não tenho tempo de explicar isso agora) prefere conexão, mas tem uma inegável inclinação a fazer tudo absolutamente perfeito e não trabalhar em grupo. Afinal, a qualidade técnica deve prevalecer, a exatidão deve comandar e o perfeccionismo imperar. Essa fórmula, combinada com a da alta Estabilidade (elemento inexistente no contexto atual), produz uma perigosa implosão centralizadora. A dama de vermelho me disse que isso acabou.

Sabe aqueles trabalhos em grupo na faculdade, onde um fazia e os outros assinavam e todo mundo ficava contente? C’est fini. Agora é trabalho em equipe, porque ninguém dominará tudo ou poderá se dar ao luxo de tentar. Eu, que me sentia melhor fazendo o trabalho todo, mesmo ficando sobrecarregado, tenho que largar o osso. Como assim? Largar o osso, véio…?! Tenho que me comunicar com muita gente diferente de mim, ouvir suas opiniões (muitas infundadas, o que é duro…). Conexão, entende? Isolado e conectado o tempo todo, fazendo trabalho em grupo. Admitindo que não sei várias coisas, mas tendo a ajuda da dama de vermelho que me deu vários brinquedos novos.

Conexão, no caso, é uma coisa bem diferente da sociabilidade. É se ligar e não apenas falar e procurar o doce conforto das amizades. Estamos na cozinha e precisamos de novos sabores. Pegue lá o cominho e o curry. Vamos ver no que dá. Experimente!

 

Aprendizado

Depois de ter vivido um pouco – ou muito – cronologicamente, às vezes a gente tem a sensação de que aprendeu, não tudo, mas o suficiente. Ih, cara… Não é suficiente!

Os saberes à frente, diz a dama de vermelho com um sorriso aberto, nos esperam. Vá lá, diz ela, coloque no papel isso que estou lhe ensinando. Aprenda mais. Aprenda como lidar comigo. Prazeres inenarráveis nos aguardam (dificilmente você se utilizaria de uma metáfora erótica para refletir algo, é ou não é?). Faça diferente. O futuro, se houver, nos sorrirá.

Meus estudos em Psicologia me dizem que ela está certa. Tenho que fazer de mim um laboratório vivo de autoterapia. Tenho que mudar meus pensamentos automáticos, minhas crenças subjacentes e nucleares, mudar minhas respostas fisiológicas, minhas emoções e meus comportamentos. Acredito nas novas conexões sinápticas e na plasticidade neuronal, desde que a COVID-19 me permita.

Preciso entender, querer, aprender e fazer, um conceito de ciclo de mudança e aprendizagem que tantas vezes preguei. Também a noção de círculo de preocupações – que me assolam, mas sobre as quais quase nada posso fazer – ou de influência, que carrega todas as ações que posso empreender, mesmo não tendo certeza do fim.

No modelo de mudança, eu declarei muitas vezes que, na situação atual, o nível de desconforto, e, na situação desejada, o nível de atratividade, quando altos, me fazem perceber os custos de mudança como valendo a pena. Sinto na carne e na alma essa situação.

Está bem, dama de vermelho, aceito nosso encontro. Vamos jantar. Por enquanto, por Skype. Vamos ver no que isso vai dar…

Branco ou tinto? O que você prefere?

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Sidney Frattini

Consultor Master da ETALENT desde 2000. Coach Executivo. Professor da FGV Management. Mestre em Administração pela FGV. Especializado em Recursos Humanos e Desenvolvimento Comportamental.

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